James Cracraft

Excluídos os elogios de praxe, há dois pontos que me incomodaram bastante. (1) "We may hope that with the restoration of St. Petersburg's original name after some seventy years of Soviet rule, its founder's vision will also be fully restored." Quer dizer, eu até entendo a animação do sujeito com a visão que o Pedro I tinha pra Rússia: basicamente europeização, isto é, secularização, modernização, importação da cultura européia e de certa forma cientificismo (muito primitivo, claro). Por certo ponto de vista, a própria cultura tradicional russa conseguiu se alimentar em cima dessas inovações. Só que, por outro lado, parece meio absurdo demandar que a visão dele seja "fully restored", pois implicaria basicamente num processo que já tá em curso e é problemático -- suplantação da cultura local por aquela da potência econômica da vez*. Embora as reformas dele tenham sido importantes, não dá pra falar que não vieram em detrimento de uma outra cultura que era silenciada. Em grande parte, as reformas mais importantes e a cultura russa não seriam mutuamente excludentes em absoluto (embora, sim, em parte, pelo fato do secularismo decorrer muito facilmente de tudo isso). Até certo ponto conseguiriam conviver em harmonia. Só que o Pedro I me parece ir bastante além disso, tendo quase um fetichismo por tudo que fosse europeu. Por exemplo, São Petersburgo obviamente teve sua importância no desenvolvimento econômico, mas ao mesmo tempo nasceu envolto de todo um ethos culturalmente europeu** e, até hoje, pelo que sei, é uma cidade mais _cosomopolita_ do que Moscou. Isso porque a imitação da cultura européia, imposta pelo Pedro I, chega a um ponto quase doentio (determinar que os nobres usem roupas mais germânicas, importar arquitetos italianos, impor até a estética do teatro europeu etc), tornando tudo que esteja fora deste conjunto digno de escárnio. Claro que isso não é nada novo. Aliás, no próprio livro se fala da constante tensão entre europeização e tradicionalismo na sociedade russa. Nesse caso, há ainda o agravante de que a supressão do tradicionalismo se deu basicamente pela autoridade do Pedro I, não havendo portanto um processo natural nessa direção, como chegou a acontecer posteriormente. Só que a posição adotada ao final, expressa na frase supracitada, parece obliterar toda a discussão acerca disso, optando por se alinhar a uma postura mais simples e leviana, qual seja, apoiar automaticamente aquilo que funcionou pra si (ou seja, pro país dele). (2) O segundo ponto, curiosamente, parece até incongruente com o primeiro. O Cracraft parece ser extremamente desfavorável à União Soviética, pelos efeitos nocivos que ela teve à cultura russa. Ou seja, aparentemente a mesma crítica que se aplicaria às reformas do Pedro I ele decide fazer em relação à URSS. O problema é que ele mal aborda essa crítica. É uma impressão que se dá por pequenos comentários tangentes ao tema principal do livro. Por isso, não consigo nem ter certeza se essa é mesmo a opinião dele. De qualquer forma, permeiam o livro certas afirmações que mais parecem alfinetadas abstratas vagamente endereçadas aos que apóiam a URSS.

* Falando estritamente em termos de políticas públicas, ignorando as características que indicam psicopatia.
** 'Here cut'--so Nature gives command--
'Your window through on Europe; stand
Firm-footed by the sea, unchanging!'
Ay, ships of every flag shall come
By waters they had never swum,
And we shall revel, freely ranging. (Pushkin)… (mehr)